Ponto de Mutação
Fritjof Capra é o típico teórico do ambientalismo do Terceiro Milênio. Tem um aprofundado saber técnico (é PhD em física quântica, com pesquisas em Teoria de Sistemas Complexos) e dá uma compreensão holística a esses conhecimentos, interpretando-os à luz da ecologia. Mais do isso, Capra, que se notabilizou pelos livros O Tao da Física (1975) e O Ponto de Mutação (1982), coloca a essa disposição intelectual a serviço do engajamento político (“social activism”, como diz esse austríaco de nascimento radicado em Berkeley) e da educação do público nos conceitos da ecologia. Impossível algo mais na linha “Fórum Social Mundial”.
O filme baseia-se na obra homônima de Frijot Capra ("The turning point" em inglês). O cenário é uma pequena ilha do litoral francês, onde 3 pessoas encontram-se, um poeta e seu amigo político, ex-candidato à presidência dos EUA, e uma física norueguesa (tipo de alter-ego do autor). Os diálogos grandes e bem sequenciados marcam o filme. A física nos intriduz no tema do pensamento cartesiano que ainda reina nos tempos modernos e abre espaço para várias reflexões. Como física, utiliza de conceitos da física para mostrar que tudo no mundo está interligado. Por isso a necessidade de quebrar o pensamento cartesiano e ampliar as nossas perspectivas de ação e reflexão. Abaixo um dos diálogos que ela faz ao se encontrar com os dois homens na máquinaria do relógio do castelo de Mont Saint Michel, falando sobre o pensamento cartesiano:
"Perdoem-me, mas vocês, políticos, dificultam as coisas. As idéias da maioria de vocês, de direita ou de esquerda, parecem-me antiqüadas e mecânicas como um relógio. Para me explicar, eu preciso retroceder até Descartes, que foi o primeiro arquiteto da visão do mundo como relógio. Uma visão mecanicista que ainda domina especialmente vocês. É como se a natureza funcionasse feito um relógio. Vocês a desmontam, a reduzem a um monte de peças simples e fáceis de entender, analisam-nas e, aí, pensam que passam a entender o todo. Na época (anos 80), o mundo passava por reviravoltas que hoje se perpetuam. Enquanto as pessoas não observarem o mundo como uma complexa rede de objetos e relações, pouco poderá ser mudado na política, nas relações sociais e com a natureza, e por assim vai. Neste mundo, nenhum homem, ação, fênomeno, objeto está segregado. Felizmente, o pensamento cartesiano vem sendo destruído, aos poucos é verdade, mas algumas organizações, instituições de ensino, movimentos sociais e ecológicos de maiores persperctivas estão atuando. O trabalho intectual vêm sendo feito cada vez mais de forma interdisciplinar. A Teoria da Complexidade surgiu, como tentativa de rever todas as outras marcadas pelo cartesianismo. É uma tarefa ádua quebrar com o pensamento estratificado que domina as sociedades. O que está na maior parte em teoria precisa ser posto em prática. Não se pode apenas, assim como a física do filme, isolar-se em uma ilha para refletir sobre o mundo, olhar por cima. Precisa-se tomar parte, agir, ter iniciativa, começando pelas pessoas e coisas ao nosso redor. |
"O que uma lagosta tece lá embaixo com seus pés dourados?
Respondo que o oceano sabe.
Por quem a medusa espera em sua veste transparente?
Está esperando pelo tempo, como tu.
Quem as algas apertam em teus braços? Perguntas mais firme que uma hora e um
mar certos?
Eu sei perguntas sobre a presa branca do narval e eu respondo contando como o
unicórnio do mar, arpado, morre.
Perguntas sobre as plumas do rei-pescador que vibram nas puras primaveras dos
mares do sul.
Quero te contar que o oceano sabe isto: que a vida, em seus estojos de jóias, é
infinita como a areia incontável, pura; e o tempo, entre uvas cor de sangue tornou a
pedra lisa encheu a água-viva de luz, desfez o seu nó, soltou seus fios musicais de
uma cornicópia feita de infinita madrepérola.
Sou só uma rede vazia diante dos olhos humanos na escuridão e de dedos
habituados à longitude do tímido globo de uma laranja. Caminho como tu,
investigando as estrelas sem fim e em minha rede, durante a noite, acordo nu. A
única coisa capturada é um peixe dentro do vento."
(Pablo Neruda)
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